Creatina: alimento para atletas

Uma das substâncias a integrar o novo rol será a creatina, aminoácido utilizado para potencializar a força e ganho muscular

Até o fim deste ano, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) deve anunciar a regulamentação de uma nova categoria de produtos, os "alimentos para atletas". A medida é fruto de uma consulta pública lançada em 2008 e recém-concluída. Uma das substâncias a integrar o novo rol será a creatina, aminoácido utilizado para potencializar a força e ganho muscular, cuja comercialização é proibida no Brasil.

Maria Cecília Brito, diretora da Anvisa, explica que quando a creatina foi submetida ao controle sanitário na década de 1990, não haviam estudos que garantissem sua segurança e eficácia. Hoje, eles existem, mas indicam que o suplemento, assim como outros do gênero, deve ser consumido apenas por quem vive de esporte.

"A evolução do conhecimento científico sobre nutrição indica que esses alimentos devem ser consumidos apenas por pessoas que pratiquem exercício físico de alta intensidade, com o objetivo de rendimento esportivo ou de competição. Praticantes de atividade física a título de recreação, saúde ou estética não devem consumi-los sem orientação médica, pois uma dieta balanceada e diversificada é o suficiente e recomendável para atender às necessidades nutricionais do indivíduo", afirma ela.

A creatina é um suplemento que causou muita polêmica ao longo de sua história. Em 2000, a Agência Francesa de Segurança Alimentar (AFSSA) declarou que seu uso prolongado era perigoso, capaz de produzir mutações genéticas e câncer. Em 2007, a entidade acabou autorizando a venda e o consumo do suplemento. A decisão se alinhou à do FDA, órgão fiscalizador de alimentos nos EUA, que confirmava sua segurança e eficácia. Isso fez com que o suplemento fosse retirado da lista negra da Agência Mundial Antidoping e levou o Comitê Olímpico Internacional a admiti-la entre os atletas.

Reposição de combustível

A creatina, também conhecida como ácido acético metilguanidina, é um nutriente encontrado naturalmente no corpo humano. O organismo sintetiza de 1 a 2 gramas de creatina por dia no fígado, nos rins e no pâncreas, a partir de fontes alimentares (principalmente o consumo de carne e peixe).

Para entender como a substância age, é preciso compreender o mecanismo de uma molécula chamada ATP (adenosina trifosfato). Quando nossos músculos precisam de energia para fazer algum movimento, um desses três fosfatos é utilizado. A função da creatina é recuperar esse fosfato para formar um novo ATP. Ou seja, "ela favorece a recuperação desse combustível muscular", explica a nutricionista Marcia Daskal, que defendeu tese de mestrado sobre suplementos alimentares pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Por isso, a creatina é indicada para esportes de explosão, como atletismo.

O médico radicado nos EUA Ray Sahelian, autor do livro "Creatine: natures muscle builder" (Creatina, construtor natural de músculos, ed. Avery Publishing Group, sem tradução para o português), defende que a creatina também seja utilizada por quem pratica esportes como o fisiculturismo. Ele ainda afirma que o suplemento tem se mostrado útil no tratamento de certas distrofias musculares e no mal de Parkinson.

Efeitos indesejados

Mas ambos os especialistas advertem que seu uso indiscriminado pode acarretar efeitos colaterais como náuseas, dor de estômago, fraqueza, diarreia e aumento de peso. "Alguns usuários se queixam de cãibras, compressões e distensões, mas geralmente são pessoas que estão forçando o treinamento antes que tendões e ligamentos tenham se adaptado ao aumento da força e do tamanho muscular", acrescenta Sahelian.

O autor do livro esclarece que os efeitos colaterais de longo prazo ainda são desconhecidos, mesmo os referentes ao câncer. E admite que o consumo excessivo pode causar sobrecarga nos rins e no fígado: "a creatina se converte em creatinina, que em altos níveis age como uma toxina", justifica.

Por isso, ele desaconselha o uso ininterrupto da substância, principalmente por pessoas com problemas renais e grávidas, além de contraindicar o consumo por adolescentes e crianças. "Como existem muitos estudos sobre a relação entre creatina e rins, mas as conclusões ainda não são claras, é melhor prevenir", conclui.

Daskal e Sahelian também ressaltam que a creatina colabora para a retenção de água, o que seria um dos fatores responsáveis pelo ganho de peso associado ao uso do suplemento. "Isso dá a impressão de que houve ganho muscular, o que atrai os frequentadores de academia", comenta a nutricionista.

Problemas renais

O biólogo e especialista em endocrinologia Jose Antonio, co-autor do documento que formalizou a posição oficial da Sociedade Internacional de Nutrição Esportiva a favor do uso da creatina para atividades físicas, declara que o suplemento pode ser usado por qualquer pessoa que deseja ganhar força e volume musculares, desde que se respeitem as dosagens corretas. De acordo com ele, a pesquisa que mostrava entre o suplemento e problemas renais havia sido conduzida em um paciente com doença renal preexistente, o que gerou temores.

Já um dos pesquisadores que participaram da consulta pública da Anvisa, o bioquímico Júlio Tirapegui, professor da Universidade de São Paulo (USP), diz que os estudos sobre complicações renais associadas à creatina não são conclusivos. Por isso, ele concorda com a opinião de Sahelian de que atletas não devem tomar o suplemento de forma contínua. Além disso, chama atenção para o cuidado que se deve ter em relação à qualidade do produto, muitas vezes misturado a outras substâncias.

Um estudo realizado por Tirapegui e publicado na Revista Brasileira de Ciências Farmacêuticas mostrou que a suplementação com creatina em dosagens equilibradas melhora substancialmente o desempenho físico. Mas para adeptos das atividades de longa duração, explica o especialista, "a creatina não é eficaz". Para Sahelian, isso se justifica pelo efeito no volume dos músculos: "Para maratonistas ou triatletas, carregar mais peso pode ser um problema".

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